Biodiversidade em Movimento

Pelos rios da Amazônia

 

10 de junio del 2020

Texto: Claudia Acosta, Gina Leite, Guido Herrera y Vanessa Eyng. 

 

A Amazônia é o maior e mais biodiverso sistema de água doce do mundo, seus números são cifras impressionantes. A Bacia Amazônica abarca 7 milhões de km² e é a floresta tropical mais extensa do mundo. A grande quantidade de água é o que a faz tão especial: suas florestas inundáveis, rios, lagos e outras zonas úmidas representam 14% da área total da Bacia Amazônica. 

 

Em um percurso de mais de  5 mil km desde os Andes até a foz do Amazonas no Atlântico, a interação entre floresta e rios cria espaços únicos e formidáveis para peixes, aves, outros animais e também para as pessoas. Esta riqueza biológica é chave para o bem estar das populações que vivem ali. 

 

O poeta Thiago de Mello revela sobre a vida ribeirinha no livro Amazonas: Pátria de Água. Recorda para a gente da Amazônia que  “não desanima: espera pela vazante e alteia o assoalho, e aproveita depois a terra enriquecida pela enchente. O rio diz ao homem o que ele deve fazer. E o homem segue a ordem do rio [...]”. 

 

As pessoas, outros animais, a floresta e os rios criam um rico ecossistema na Amazônia, compartilhando seus ciclos. Em Os Rios da Amazônia em Movimento e Conectados, nosso novo vídeo, contamos um pouco sobre a conectividade dessa grande bacia, e sobre a importância de seus rios, que com suas águas unem a Amazônia:

 

Onde nascem os rios

 

A maioria dos rios da Amazônia nascem na Cordilheira dos Andes. O artigo Uma perspectiva global sobre os rios de montanhas tropicais (disponível em inglês), apresenta uma perspectiva global sobre o tema e demonstra a importância ecológica e social do caminho que o rio percorre, desde as montanhas até o oceano.

 

No centro dos ecossistemas de montanhas tropicais nascem redes complexas de rios que configuram paisagens específicas e conectam áreas distantes. Os rios andino-amazônicos percorrem um caminho continental até o Oceano Atlântico, distribuindo sedimentos, nutrientes e carbono, o que garante a diversidade biológica extraordinária desse ecossistema. Aproximadamente 93% dos sedimentos e nutrientes da Amazônia provém dos Andes, o que influi diretamente na fertilidade do solo, na produção aquática primária, no rendimento de peixes, que são fonte de  proteína para populações humanas. 

 

A conectividade destes rios marca todos os sistemas de montanhas tropicais, como a Cordilheira dos Andes, ou as cadeias de montanhas na Etiópia ou Nova Guiné, por exemplo. Os rios drenam áreas sensíveis à variações no clima, são fundamentais para a criação e a manutenção de ecossistemas que abarcam fauna endêmica e integram comunidades ribeirinhas ao longo de seu percurso. Estas funções os convertem em sentinelas de mudanças que podem ocorrer em escala regional e global, conforme mencionado no artigo. 

 

 

As ameaças pelo caminho

 

Os rios estão ameaçados pelas mudanças climáticas, a sobrepesca, obras de infraestrutura mal planejadas, desmatamento, mineração aluvial e contaminações da água.  As hidrelétricas, por exemplo, que representam um grande risco para a conectividade dos rios. A Bacia Amazônica apresenta uma da maiores taxas de construção de barragens no mundo.O artigo Fragmentação da conectividade dos Andes à Amazônia por barragens hidrelétricas (disponível em inglês), revela que podem haver até 302 barragens ou projetos hidrelétricos na região, correspondendo a 142 barragens em operação ou em construção e 160 barragens em várias etapas de planejamento. 

 

A interrupção da conectividade dos rios limita o transporte de nutrientes entreas as montanhas e as áreas de planície. Também impactam diretamente nas migrações de muitas espécies de animais que percorrem, se alimentam ou se reproduzem em diferentes partes do ecossistema aquático. Uma revisão de literatura científica em processo revela que quase 200 espécies migram pelos rios da Amazônia, incluindo os pequenos chipi chipis (Trichomycterus barbouri), ou peixes maiores como a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii). Estas espécies dependem da conectividade dos rios para completar seus ciclos de vida, que por sua vez são importantes fontes de proteína para as populações amazônicas. 

 

Construindo soluções juntos

 

Mesmo compreendendo a importância dos rios e seu papel fundamental para o transporte de nutrientes e sedimentos, ainda não compreendemos completamente a magnitude e o alcance das conexões que promovem os rios. Como assinala o artigo  Uma perspectiva global sobre os rios de montanhas tropicais (disponível em inglês), ainda existe pouca informação sobre as cadeias de montanhas tropicais e os processos do ecossistema por meio da paisagem, e a importâncias dessas conexões para a produtividade e os serviços de ecossistemas como planícies e oceanos. 

 

No livro Amazonía, El Río Tiene Voces,  Ana Pizarro evidencia que a Bacia Amazônica “possui o maior bosque tropical úmido do planeta e o rio Amazonas, mais do que o Congo, Orinoco ou Mississipi, é o mais caudaloso da Terra. A experiência diária de sua riqueza [...] transformou os povos amazônicos em coletividades que constroem sua vida e sua cultura em torno da vida do rio [...] seus períodos de subida e descida das águas, desenvolvendo tecnologias adaptadas a seus ritmos; coletividades humanas cujo perfil, sociabilidade e cultura se constituíram na relação com a natureza”. 

 

Estratégias complementares de monitoramento, como as apresentadas no livro Os rios da bacia Andino-Amazônica: Ferramentas e guia de invertebrados para o desenho de programas de monitoramento (disponível em castelhano) são importantes para compreender as mudanças que ocorrem nos rios. Os invertebrados aquáticos são sensíveis às alterações no ambiente, razão pela qual são utilizados como bioindicadores da saúde dos rios. “O biomonitoramento, entendido como a medição repetida de variáveis biológicas e ambientais com o objetivo de manejo ou gestão, é uma ferramenta indispensável para avaliar a condição de um rio (sua integridade ecológica) e suas possíveis respostas à alterações antropogênicas ou atividades de manejo que se possam implementar”, escrevem os autores. A publicação oferece alternativas de protocolos de monitoramento que podem ser implementadas por comunidades, gestores ou autoridades locais. 

 

O enfoque de Ciência Cidadã é fundamental para criar um espaço de diálogo entre diferentes formas de gerar conhecimento e fazer monitoramento. Na Amazônia, onde a vida das comunidades se escreve junto com a natureza, é fundamental desenhar projetos de conservação em conjunto com as comunidades locais. Seus conhecimentos são chave para conhecer mais sobre a riqueza dos rios e seus caminhos pela Bacia Amazônica. Este é um passo muito importante para promover a sustentabilidade de atividades tão importante para as pessoas, como a pesca, ao mesmo tempo que as empodera para o manejo sustentável pesqueiro e a conservação de zonas úmida, interconectados pelos rios, desde os Andes até o Oceano Atlântico.